Agostinho de Hipona (354-430 d.C.) foi um servo de Deus e maior teólogo entre os pais latinos e um dos maiores de todos os tempos da história do cristianismo. Exerceu plena influência no Ocidente. Sua teologia influenciou Lutero e Calvino, grandes pais da Reforma Protestante ocorrida no século XVI (tanto Lutero como Calvino bebiam da fonte agostiniana). A teologia de Agostinho ainda inflama atualmente corações com a ternura da presença do Deus todo-poderoso. Agostinho não somente é extremamente valorizado no meio protestante, mas também entre os católicos.
No ano de 391, Agostinho foi recrutado para o exercício do ministério pastoral da igreja em Hipona (atual Annaba, Argélia – África). A igreja da época necessitava de uma produção teológica de peso, porquanto várias heresias tentavam entrar no seio da comunidade cristã. Agostinho foi muito usado para combater heresias. O bispo de Hipona dedicou-se intensamente ao estudo das Sagradas Escrituras, especialmente nas cartas do apóstolo Paulo.
O pastor de Hipona foi muito usado para produzir teologia para que as pessoas pudessem compreender a profundidade da fraqueza e perversidade humana. Tanto é que ele é muito conhecido pelo seu livro escrito denominado Confissões (397-401 d.C.).
Em Romanos 9, arauto da compreensão da soteriologia reformada, Agostinho desenvolveu muito bem os preceitos de eleição, graça, fé e “livre-arbítrio”, o que mais tarde seria usado contra a heresia pelagiana.
Agostinho refutava veementemente os erros maniqueístas. Ele defendeu o Antigo Testamento da crítica daquele grupo herético, apresentando um estandarte de argumentação bíblica. Posteriormente, os adversários donatistas passaram a se tornar a maior preocupação.
Neste contexto, vemos que Deus levanta gigantes da fé para defender sua Igreja contra heresias, que levam à destruição.
Donatismo
Donatismo foi um movimento que surgiu ao norte da África no começo do século IV, cuja posição fundamental era que as congregações conduzidas por bispos que haviam caído em tempos de perseguição não eram válidas. Em consequência, os donatistas rechaçavam a autoridade de Ceciliano, bispo de Cartago na ocasião, que havia sido consagrado por um bispo que havia caído em tempos de perseguição.
Isso levou a um cisma cujos participantes receberam o nome de donatistas, porque um de seus dirigentes se chamava Donato. Dentro deste grupo havia uma ala mais radical que, inclusive, recorriam à violência.
A questão teológica exposta pelo cisma é a da pureza da igreja e a validade dos sacramentos e ritos ministrados por pessoas indignas. Agostinho se levantou contra este grupo a fim de afirmar que a validade do sacramento da igreja não depende da dignidade daquele que ministra. A validade do sacramento está em Cristo, que é o verdadeiro ministro dos sacramentos. Agostinho também desenvolveu a teologia da igreja invisível, que reúne os eleitos de Deus (somente Deus os conhece de fato), e da igreja visível, que é formada por joio (falsos crentes) e o trigo (crentes verdadeiros).
Pelagianismo
Pelágio era um monge de origem britânica que chegou a Roma no final do século IV. Em Roma, Pelágio se opôs ao desenvolvimento doutrinário de Agostinho sobre a graça. Agostinho defendia que a salvação depende completamente da predestinação de Deus e do dom gratuito da graça.
Assim, Pelágio rechaçava a doutrina do pecado original, ou seja, que todos os seres humanos nascem bons, no mesmo estado de inocência que Adão e Eva possuíam antes da queda. Em outras palavras, o pecado não corrompeu necessariamente todas as áreas do ser humano. Pelágio entendia que os seres humanos tinham condições de se abster do pecado, de modo que o ser humano tem livre arbítrio para escolher pecar e não pecar e também aceitar a graça de Deus, se assim desejassem. Dessa forma, o início da fé estava na vontade do homem em aceitar Deus e não na própria graça.
O pelagianismo foi rechaçado por Agostinho e outros teólogos também, porquanto afrontava diretamente ao ensino das Sagradas Escrituras.
A defesa de Agostinho sobre a graça e a predestinação não era aceita por todos. Haviam também aqueles que eram considerados semipelagianistas, que procuravam suavizar o ensinamento bíblico exposto pelo pastor de Hipona. A doutrina dos semipelagianistas também é conhecida como “semiagostinianismo”, justamente porque procuravam adequar o ensinamento de Agostinho e Pelágio. Os semipelagianistas procuravam rechaçar a doutrina de Pelágio sem seguir as posições que eles entendiam como “extremas” sobre a graça e a predestinação.
Sobre isso, os semipelagianos sustentavam que o começo da fé, o primeiro ato de crer — initium fidei — está nas mãos do pecador, e não de Deus. Em outras palavras, o semipelagianismo afirma que o homem não regenerado é capaz de contribuir com suas obras para a realização de sua própria salvação. Com efeito, segundo esta compreensão doutrinária, a regeneração do coração do homem é um processo sinergético onde a vontade do homem coopera juntamente com a graça de Deus. A Igreja Medieval, apesar de se considerar em sua grande maioria agostiniana, na verdade era semipelagiana, uma vez que negavam seguir Agostinho quando o assunto era a graça irresistível e a predestinação. Contudo, a Reforma resgatou os preceitos agostinianos a respeito da correta compreensão da doutrina bíblica.
Trindade
Agostinho escreveu a obra Da Trindade entre 399-410 d.C. Ele dedica excepcional importância à ideia da plena igualdade das três pessoas divinas, que diferem somente em suas relações mútuas.
Em seu longo labor da obra Da Trindade (399–410), Agostinho entregou-se à busca do entendimento da fé, livre das pressões de controvérsia. O resultado é um respeitável exercício em teologia dogmática, bem como uma investigação profundamente contemplativa. Agostinho liga a doutrina da Trindade e a Igreja.
Como imagem de Deus, o ser humano é chamado a se tornar mais semelhante a Deus. A contemplação das imagens da Trindade no homem serve, portanto, para conformá-lo à imagem divina. A teologia, a adoração e a santidade têm aqui um frutífero ponto de encontro.
Um grande legado
No século XIII, formava-se uma ordem de monges ou frades agostinianos. Os estudiosos têm analisado com interesse a força e a importância que exerceu um agostinianismo renovado entre os agostinianos em geral, nos séculos imediatamente precedentes à Reforma. Algumas dessas congregações de frades agostinianos, mais tarde, aderiram à Reforma (tornaram-se congregações de estritos “observantes” do Regulamento), incluindo a confraria alemã, de que Lutero* fazia parte, em Erfurt, em 1505. Seu vigário geral era John Staupitz (1460/1469–1529), predecessor de Lutero como professor de Bíblia em Wittenberg.
Era um expoente inflexível da doutrina da eleição, ensinada por Agostinho, que a ela correlacionou um pacto* unilateral, pelo qual Deus designou Cristo como mediador* da justificação* para os eleitos. Staupitz enfatizava o louvor a Deus, entusiasmado pela dependência total do homem à eleição e justificação divinas e por sua certeza de poder contar com a presença pessoal do Cristo ressurreto. A influência de Staupitz sobre Lutero foi significativa em uma época dramática para este, apontando-lhe o amor de Deus na cruz e dando a interpretação de suas tentações como um sinal de sua eleição divina. Carlstadt (c. 1450–1541), colega de Lutero e seu crítico radical, dedicou seu comentário sobre a obra de Agostinho O Espírito e a letra a Staupitz, embora tenha sido Lutero que o trouxe de volta ao estudo de Agostinho.
Como dissemos anteriormente, todos os reformadores mais proeminentes bebiam de Agostinho. Por causa de sua lealdade a Agostinho, o protesto da Reforma foi dirigido contra a preponderância, na teologia medieval do final daquele período, de uma ou outra forma de equivalência do semipelagianismo.
Os reformadores realçaram diferentes pontos em Agostinho. Calvino sistematizou mais plenamente sua doutrina da predestinação, enquanto Lutero foi atraído por sua inflexível descrição da humanidade decaída, provavelmente indo além da narrativa de Agostinho sobre a servidão da vontade. Em alguns elementos, como livre-arbítrio e pecado original, outros reformadores também favoreceram formulações divergentes, mas o cerne do agostinianismo foi, por toda parte, o coração do evangelho protestante.
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Justo González, org. Juan Carlos Martinez, trad. Silvana Perrella Brito, Breve Dicionário de Teologia (São Paulo, SP: Hagnos, 2009).
D. F. Wright, Novo Dicionário de Teologia (São Paulo: Hagnos, 2011).