O que é Deísmo Moralista Terapêutico?

Cuidado com as heresias modernas!

deísmo moralista terapêutico

A expressão “deísmo moralista terapêutico” foi criada pelo sociólogo Christian Smith para designar a compreensão de Deus nutrida pelos jovens norte-americanos. Christian Smith realizou a pesquisa durante 5 anos. Sua conclusão é de que esta visão está demasiadamente distante do ensino bíblico.[1]Smith, Christian; Denton, Melinda Lundquist. Soul Searching: The Religious and Spiritual Lives of American Teenagers. Nova York: Oxford University Press, 2006, apud Michael Horton, Cristianismo sem … Continue reading

Algumas de suas conclusões estão em português, nos livros Deuses falsos, de Timothy Keller (Thomas Nelson) e Cristianismo sem Cristo – o evangelho alternativo da igreja atual, de Michael Horton (Editora Cultura Cristã).

Ao ler as considerações do sociólogo, desde já adianto, o pensamento dos jovens norte-americanos em nada difere dos jovens cristãos do Brasil; na verdade, não apenas os jovens, mas uma grandiosa parte do público evangélico segue este tipo de pensamento. Assim, em linhas gerais, podemos afirmar, sem sombra de dúvidas, que a crença do cristão brasileiro é sem sombra de dúvidas um deísmo moralista terapêutico.

O que é deísmo?

Deísmo pode ser conceituado como uma visão filosófica de Deus como o Criador que coloca o universo em movimento, mas que não está mais engajado com a criação. Esta filosofia se tornou popular na Europa nos séculos XVII e XVIII entre os que se opunham aos excessos da religião organizada. Tal movimento entende que a razão deve prevalecer para resolver questões atinentes à religião, ao invés da revelação bíblica.[2]John D. Barry et al., orgs., “Deism”, in The Lexham Bible Dictionary (Bellingham, WA: Lexham Press, 2016), traduzido livremente pelo autor deste post.

Deísmo pode ser conceituado como uma visão filosófica de Deus como o Criador que coloca o universo em movimento, mas que não está mais engajado com a criação.

Hudson Carvalho

Perceba que o deísmo não nega a existência de Deus. Absolutamente! No entanto, tal movimento, de certa forma, colocou Deus em “standby” e outorgou aos seres humanos a resolução de questões religiosas puramente pela própria razão, isto é, sem a necessidade de Deus. Assim, Deus é apenas um genitor (um Pai) que perdeu seu engajamento com a criação e é preciso que o homem esteja ativo, já que o Deus Criador está inativo. Deus não precisa estar envolvido em nossa vida, a não ser que estejamos com algum problema que precisa ser resolvido.

O conhecido presidente dos Estados Unidos Thomas Jefferson considerava Jesus meramente como um mestre de moral iluminado pela razão, ao invés de afirmar sua deidade (o Filho de Deus), realizador de milagres. Jefferson criou seu próprio “evangelho iluminista”, retirando elementos sobrenaturais, os milagres.[3]Copan et al., “Deísmo”, in Dicionário de Cristianismo e Ciência: obra de referência definitiva para a interseção entre fé cristã e ciência contemporânea, Trad. Paulo Sartor Jr., … Continue reading

Assim, o deísmo clássico enfatiza que Deus distancia-se dos seres humanos para que vivam por um sistema moral que pode ser universalmente conhecido pela humanidade e afirmado pela razão.

O que significam os termos “moralista” e “terapêutico”?

O termo moralista é empregado em razão da falsa crença deste movimento de que Deus sempre abençoa as pessoas e que, ao final, levará as pessoas boas para o céu, quais sejam, aquelas que procuraram viver uma vida moralmente correta segundo os padrões que naturalmente podem ser conhecidos pela razão.

Já o termo terapêutico é empregado pelo sociólogo para expressar o objetivo central desta crença, que é o prazer, o estar bem consigo mesmo. Nesta vertente, não há necessidade de nenhum esforço, nem mesmo qualquer sacrifício. A ênfase é: “fomos criados para sermos felizes e não para nos sacrificar”.[4]Tim Keller, em sua obra Deuses Falsos, publicada pela editora Vida Nova, também toca neste tema. cf. Keller, Timothy”. Deuses Falsos: as promessas vazias do dinheiro, sexo e poder, e a única … Continue reading

Michael Horton, ao parafrasear Denton Smith, resume bem o que é o deísmo moralista terapêutico: Deus é o Criador; deseja que as pessoas sejam boas, educadas e justas umas para com as outras; o objetivo da nossa vida é ser feliz e sentir bem consigo mesmo; em nossa vida Deus não precisa se envolver particularmente, salvo quando um problema precisa ser resolvido; as pessoas boas, assim, irão todas para o céu quando morrerem.[5]Ibid, 35-36.

Para melhor fixação, veja na forma de tópicos o que Horton escreve a respeito dos pontos do deísmo moralista terapêutico:
1. Deus criou o mundo.
2. Deus quer que sejamos bons, educados e justos uns com os outros, como
todas as religiões ensinam.

3. O objetivo central da vida é estar em paz consigo mesmo.
4. Deus não precisa estar envolvido com ninguém, exceto quando a situação
for muito aflitiva.

5. Todas as pessoas boas vão para o céu.

O cenário da crença evangélica brasileira (aspecto geral)

É sabido que vivemos numa sociedade individualista, hedonista e moralmente torta, o que tem refletido na vida de muitos membros de igrejas evangélicas. Há um movimento crescente no número de evangélicos não regenerados pelo poder do Espírito Santo; pessoas que não sabem o que é estar em Cristo e morrer para o mundo. Isto é, tais pessoas não têm a mínima noção das implicações da nossa união com Cristo.

Líderes que se rendem a mensagens impactantes, cheias de frases de efeito, luzes e fumaça, que não confrontam o pecador com o seu pecado, mas que ambicionam produzir no coração de tais pessoas uma falsa sensação de estar em paz com Deus.

Falsos profetas produzem falsos crentes.

Hudson Carvalho

O moralismo existente em muitas comunidades é assustador. Muitas pessoas pensam que, em última análise, é o homem quem determina todas as coisas. Vemos também que, por conta de um senso de moralismo, muitas comunidades evangélicas acabam rejeitando doutrinas bíblicas simplesmente porque tais doutrinas não se coadunam com o que vemos na prática – pragmatismo religioso. Estamos falando aqui de justificação e da segurança da nossa salvação em Cristo, que decorre da nossa união com Cristo.

Nossa união com Cristo: afastando-se do deísmo moralista terapêutico

Julie Canlis destaca que a ascensão da humanidade ao Pai, isto é, a forma como o ser humano se apresenta ao Criador, não é como os filósofos moralistas pensavam a respeito da “virtude”, a “natureza”, mas apenas pode ser compreendida pelo poder do Espírito, que nos faz participantes da ascensão de Cristo.[6]Julie Canlis, Calvin’s Ladder: A Spiritual Theology of Ascent and Ascension (Grand Rapids, MI; Cambridge, U.K.: William B. Eerdmans Publishing Company, 2010), 128.

Esta participação não envolve nossas virtudes intrínsecas, como se nossa moral pudesse ser utilizada como credencial diante do Deus que é Santo, Santo, Santo. Como seres humanos caídos, nossa moral é debilitada e não alcança os padrões de aceitabilidade de Deus, que é perfeito em tudo, não pactua com o mal, e que se apressa para fazer justiça aos pecadores.

Portanto, nossos preceitos morais, por melhores que nos pareçam, não transcendem!

Deus, para nos aceitar, precisou se encarnar, tornando-se humano, para viver uma vida moralmente correta e perfeita, para que hoje nós, como seres humanos falhos e moralmente caídos, pudéssemos ascender para Deus pela morte e ressurreição do Verbo. Cristo ressuscitou para nossa justificação!

Hudson Carvalho

Assim, Julie Canlis deixa claro que o pensamento dos filósofos morais não pode ser reputado como verdade à luz das Sagradas Letras, porquanto a ascensão da humanidade somente pode ser compreendida pelo poder do Espírito, em nossa mística (ou espiritual) participação em Cristo, na sua morte e ressurreição.

É necessário mudança!

Em nossa sociedade moralista, vemos que as palavras proferidas pelo Senhor Jesus “sem mim nada podeis fazer” (João 15.15b) são reputadas como “fora de moda”. Não estamos falando da sociedade como um todo, mas do público evangélico brasileiro, sob o aspecto geral, que é o escopo deste artigo.

Ao analisarmos o meio evangélico, vemos que o determinismo está sempre no pano de fundo de muitas igrejas. Frases como “eu determino”, “eu proclamo”, “eu faço” e “eu sou” são muito comuns nos púlpitos de maneira geral. O deísmo é nítido: ao invés de compreenderem que sem Jesus é impossível fazer algo, principalmente para o reino de Deus, tais pessoas entendem que quem determina todas as coisas são elas – e o pior, às vezes, usam ao final da frase “em nome de Jesus”, como se o Senhor fosse obrigado a cumprir as palavras proferidas por homens mortais, obstinados e cegos.

Na verdade, não existe verdadeiro cristianismo sem considerarmos a fala do apóstolo Paulo: “já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim” (Gálatas 2.20a)!

Muitas comunidades evangélicas parecem ter perdido o rumo, pois abandonaram as Sagradas Escrituras; precisam que o culto se torne um show para atrair a atenção das pessoas, ao invés de a Palavra de Deus ocupar o centro do culto cristão.

Não é incomum vermos pessoas dizendo “não queremos doutrina, queremos o evangelho, pois ele é quem transforma vidas”, numa tentativa de impedir um aprofundamento da Palavra de Deus, como se evangelho não fosse fundamentado na doutrina.

Não existe evangelho sem doutrina!

Hudson Carvalho

Infelizmente muitos pastores fazem da celebração dominical uma celebração motivacional, com objetivo de que as pessoas cantem e ouçam palavras belas para que a semana seja abençoada e que comece com o “pé direito”. A celebração dominical deve ser um momento glorioso de celebrar a ressurreição do Senhor Jesus. Sim, é o momento em que os crentes se lembrem que, assim como Cristo morreu na cruz, também morremos para nós mesmos e para o mundo; assim também, como Cristo ressuscitou, com Ele também ressuscitaremos e viveremos para sempre ao lado do Senhor!

Somos unidos não apenas na ressurreição de Cristo, mas, antes, em sua morte. Este é o ponto.

Hudson Carvalho

Conclusão

Sim, a pregação de hoje parece muito mais com terapia, ou seja, focada em como Deus pode tornar alguém mais feliz. As necessidades dos “clientes” (ou membros da Igreja do Senhor?) são mais imediatas; a pregação sobre a santidade é deixada de lado constantemente.

Deus não nos criou para termos uma vida boa, confortável, agradável. Precisamos abandonar a ideia equivocada de que o que importante é estarmos bem conosco. Deus nos criou para louvor de Sua glória!

Paulo foi enfático ao amado Timóteo ao dizer que todos os que desejam viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos (2 Timóteo 3.12). Sabemos que evangelho não é sobre ganhar, mas sobre perder para ganhar.

Diante disso, é claramente possível concluirmos que o Deísmo Moralista Terapêutico é a perversão do evangelho; engana pessoas todos os dias e é uma fábrica de falsos crentes. O movimento diminui a obra de Cristo Jesus e coloca o ser humano como o centro da atenção do universo.

Que Deus nos ajude a nos desgastarmos pela pregação do evangelho genuíno até o fim de nossos dias!

Referências

Referências
1 Smith, Christian; Denton, Melinda Lundquist. Soul Searching: The Religious and Spiritual Lives of American Teenagers. Nova York: Oxford University Press, 2006, apud Michael Horton, Cristianismo sem Cristo. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p.34
2 John D. Barry et al., orgs., “Deism”, in The Lexham Bible Dictionary (Bellingham, WA: Lexham Press, 2016), traduzido livremente pelo autor deste post.
3 Copan et al., “Deísmo”, in Dicionário de Cristianismo e Ciência: obra de referência definitiva para a interseção entre fé cristã e ciência contemporânea, Trad. Paulo Sartor Jr., Primeira Edição (Rio de Janeiro, RJ: Thomas Nelson Brasil, 2018), 198.
4 Tim Keller, em sua obra Deuses Falsos, publicada pela editora Vida Nova, também toca neste tema. cf. Keller, Timothy”. Deuses Falsos: as promessas vazias do dinheiro, sexo e poder, e a única esperança que realmente importa. São Paulo: Vida Nova, 2018, 127 a 130.
5 Ibid, 35-36.
6 Julie Canlis, Calvin’s Ladder: A Spiritual Theology of Ascent and Ascension (Grand Rapids, MI; Cambridge, U.K.: William B. Eerdmans Publishing Company, 2010), 128.
Hudson Carvalho é Mestre em Divindade pelo Seminário Martin Bucer (São José dos Campos, SP), com ênfase em Teologia Histórica e Sistemática. Atua como pastor auxiliar na Igreja Reformada em Vila Velha, especialmente na parte de ensino.

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