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Providência Divina: Como Deus Exerce sua Soberania

Como a Bíblia revela a sabedoria, a justiça e o governo ativo de Deus no mundo

Providência Divina: Como Deus exerce sua soberania sobre o mundo

Você já se deparou com passagens bíblicas que simplesmente não fazem sentido à primeira vista? Textos sobre a bondade de Deus que coexistem com a existência do mal, ou sobre seus juízos que parecem questionáveis do nosso ponto de vista humano?

A Palavra de Deus é a revelação do próprio Deus, que descortina, diante de nossos olhos, quem Ele é e seu maravilhoso Plano de Redenção. A Bíblia nos mostra quem Deus é e quem verdadeiramente nós somos. Segundo as palavras de John Piper, em seu livro “Providência”[1]PIPER, John. Providência. Trad. Francisco Wellington Ferreira. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2022., publicado pela Editora Fiel, ele denomina “maravilhas contraintuitivas” esta grandiosa profundidade revelada sobre a Providência Divina.

As “maravilhas contraintuitivas” são verdades tão profundas e extraordinárias que desafiam o nosso “senso comum de compreensão da realidade”. Isto é, a maneira pela qual Deus se revela nas Escrituras nem sempre é da forma como pensamos ou conseguimos enxergar e interpretar o mundo ao nosso redor. Poderíamos mergulhar nestas grandiosas maravilhas por anos, e até séculos, e mesmo assim não chegar ao fundo deste vasto oceano de maravilhas reveladas.

Segundo o autor John Piper, essas “maravilhas contraintuitivas” não são ilógicas ou contraditórias, elas apenas diferem radicalmente da nossa forma usual de ver e interpretar o mundo. Assim, nossa visão humanista não se encaixa na maneira pela qual Deus revela a sua verdade.

Ao nos confrontarmos com a aparente contradição entre um Deus bom que permite o mal, ou que escolhe um povo específico, somos tentados a sentenciar em nossa mente, julgado as verdades bíblicas à luz do nosso débil e limitado conhecimento: “NÃO PODE SER ASSIM!” ou “NÃO CONCORDO QUE AS COISAS SÃO ASSIM!”. No entanto, caso você pense assim, preciso te falar uma verdade: essa discordância reside apenas em sua mente, limitada e caída, e não na realidade absoluta revelada na Palavra de Deus.

A verdade é que os juízos de Deus são “insondáveis” e os seus caminhos, “inescrutáveis“, conforme podemos ver em Romanos 11.33–36.

Estudar a doutrina da Providência Divina nos convida a ir além do nosso entendimento limitado e a adorar a Deus, que é infinitamente maior do que podemos imaginar.

Providência Divina: O Universo de “Maravilhas Contraintuitivas” que desafiam nossa limitação humana

As Escrituras nos apresentam cenários que abalam nosso senso comum. Isto é um fato! Veja apenas um exemplo:

porque eis que suscitarei um pastor na terra, o qual não cuidará das que estão perecendo, não buscará a desgarrada, não curará a que foi ferida, nem apascentará a sã; mas comerá a carne das gordas e lhes arrancará até as unhas. Ai do pastor inútil, que abandona o rebanho! A espada lhe cairá sobre o braço e sobre o olho direito; o braço, completamente, se lhe secará, e o olho direito, de todo, se escurecerá.

Zacarias 11.16-17 (ARA)

Veja, a Bíblia mostra Deus levantando um pastor “cruel” para o seu povo (verso 16) e, posteriormente, Deus mesmo envia punição sobre esse mesmo pastor que foi levantado para exercer sua crueldade sobre o povo (verso 17). Essa narrativa, encontrada em Zacarias 11.16-17, poderia levantar questionamento na nossa mente: “Se Deus levanta alguém cruel, isso não o envolve em ‘crueldade pecaminosa'”? ou ainda “se Deus condena quem Ele mesmo ordenou que pastoreasse cruelmente seu povo, isso não parece um julgamento ‘injusto'”?

Preciso dizer, caros leitores: tais questionamentos, embora pareçam “naturais”, são falaciosos, porquanto nascem da mesma “desconfiança do caráter de Deus” que a Serpente inseriu no coração de Adão e Eva (Gênesis 3). Infelizmente, este pensamento ainda reverbera em nossa mente caída.

O que precisamos entender que o pecado do coração do “pastor cruel”, a que se refere o texto bíblico citado, é de inteira responsabilidade dele. Isto é, este “pastor cruel” deseja pecar e espalhar sua crueldade, por vontade própria. Não foi Deus quem inseriu o pecado no coração dele, antes o pecado é de responsabilidade de quem o comete. Deus tem poder para usar o mal para o bem, e assim cumprir toda a sua soberana vontade.

Com efeito, Deus cumpriu seu propósito enviando o “pastor cruel” para punir seu povo. Como Deus é plenamente justo, Ele precisa punir o “pastor cruel”, por todo o pecado cometido.

Limitações Humanas x Perfeição de Deus

É crucial entender a diferença fundamental entre nós e Deus. Nós não conseguimos compreender bem quem nós somos se primeiro não entendermos quem Deus é. A Bíblia é a revelação de Deus. É por meio das Escrituras que podemos conhecer a Deus.

A Palavra revela que somos pecadores e finitos, enquanto Deus é infinito e santo. Isto não é apenas um contraste abstrato, é definitivamente a realidade. Veja como a Bíblia revela este Deus glorioso, justo, fiel, verdadeiro e santo:

Eis a Rocha! Suas obras são perfeitas, porque todos os seus caminhos são juízo; Deus é fidelidade, e não há nele injustiça; é justo e reto.

Deuteronômio 32.4 (ARA) – grifos acrescidos

Sim, Deus é a Rocha, “Suas obras são perfeitas”, e “todos os seus caminhos são juízo”. Deus é pura fidelidade, “não há nele injustiça; é justo e reto”. Deus nunca pecou e jamais poderia pecar (Num 23.19). Ele nunca é pecaminoso ou injusto em Seus juízos. Este é o Deus único e verdadeiro!

Nossos pensamentos e caminhos são infinitamente inferiores aos de Deus. O Senhor declara:

Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos, diz o SENHOR, porque, assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos, mais altos do que os vossos pensamentos.

Isaías 55.8–9 (ARA) – grifos acrescidos

Somente a Palavra de Deus pode criar em nossa mente novas categorias de pensamento. Assim, não procure forçar a Escritura a se enquadrar nos limites do que você já conhece! Não limite Deus em seu pensamento, pois isso também é idolatria (conceber um deus segundo a sua imagem e semelhança é um ídolo)!

Transformando a Mente para Compreender a Palavra

Diante da profundidade e da insondabilidade de Deus, conforme descrito em Romanos 11.33-36, o apóstolo Paulo nos exorta a uma transformação radical: “E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Romanos 12.2). Veja este texto segue imediatamente após a afirmação sobre a profundidade e a insondabilidade de Deus. Assim, ao invés de ficarmos nos queixando da maneira pela qual Deus escolhe escrever a história, precisamos de ter uma mente transformada no poder do Espírito Santo.

Não estou a afirmar que ter a “mente do Espírito” será suficiente para que possamos compreender plenamente os caminhos de Deus. A Escritura não afirma isso. Nós nunca poderemos compreender com profundidade os caminhos do Senhor, porque são inescrutáveis. O que Deus requer de nós é que confiemos nele sempre! Deus requer que exerçamos confiança plena em Sua vontade. Tudo o que Deus faz é bom! Uma mente transformada pelo Espírito (não moldada pela cosmovisão mundana e humanista) nos faz descansar no Senhor e isto deve resultar em nós louvor, admiração reverente e amor.

Não devemos tentar forçar a Escritura a se encaixar nos limites do nosso conhecimento ou mesmo limitar Deus em nosso pensamento. Fazer isso seria uma forma de idolatria, criando um deus de acordo com a nossa própria imagem e semelhança, conforme afirmei anteriormente. Somente a Palavra de Deus tem o poder de criar em nossa mente novas categorias de pensamento, permitindo-nos vislumbrar a realidade do caráter e dos caminhos de Deus.

Deus se alegra em sua justa providência

Sei que parece estranho para alguns, talvez porque difere do pensamento humanista prevalente no seio evangélico brasileiro, mas Deus não deseja ser louvado apenas pelo exercício da sua graça e misericórdia, mas também por sua justiça.

Considero um erro fatal procurar “fatiar” os atributos de Deus, como se eles tivessem contradição entre si. O que quero dizer é que é errado falarmos assim: “Deus é misericordioso, MAS também justo”. O uso da conjunção adversativa “mas” é totalmente equivocada, porque demonstra haver oposição entre os atributos divinos. O correto é afirmar: “Deus é misericordioso e justo”. É assim que as Escrituras revelam este Deus único, verdadeiro e misterioso. Não há qualquer contradição nos atributos divinos!

Com efeito, Deus não deseja ser louvado apenas por Sua graça e misericórdia, mas também por Sua justiça. Em Apocalipse 19.1–3, vemos a queda da “Grande Babilônia”, a ruína dos ímpios, seguida por um brado de louvor no céu justamente porque Deus está executando Seu juízo. A “grande voz de numerosa multidão” celebra: “Aleluia! A salvação, e a glória, e o poder são do nosso Deus, porquanto verdadeiros e justos são os seus juízos”.

Estudar a Providência Divina, que abrange os juízos e caminhos de Deus, é, portanto, um convite à adoração genuína. É reconhecer e louvar a Deus em toda a plenitude de seu ser, incluindo sua perfeita justiça.

Como Jesus nos ensina sobre a Providência Divina: Deus governa ativamente e pessoalmente

O Senhor Jesus, em seus ensinos, revelou a natureza ativa e pessoal da Providência Divina. Ele nos convida a olhar para as aves e para os lírios do campo, observando como Deus as alimenta e os veste (Mateus 6.26-30). O objetivo desta lição não era meramente estético, mas era para libertar as pessoas da ansiedade, da preocupação exacerbada que expressa a falta de fé no coração. Se Deus cuida dos pássaros e das flores, quanto mais nós, que somos filhos do Senhor!

Essa verdade fundamental distingue o teísmo trinitário clássico do deísmo. O teísmo bíblico ensina que Deus é soberano e governa ativamente todas as coisas, tendo um propósito superior para tudo que acontece, e que tudo ocorre para a glória de Deus. O deísmo, por outro lado, crê em um Deus criador que deixou sua criação ser governada apenas por “leis naturais”, sem mais intervenção ativa. A visão deísta é nociva e totalmente contrária ao cristianismo, muito embora seja uma ideia muito comum no movimento evangelical brasileiro.

Veja, se as aves e os lírios agissem apenas por leis naturais, sem a intervenção divina, o ensino de Jesus seria uma “piada”. Será que Jesus não estava falando a verdade, mas estava apenas brincando ou contando alguma piada para os discípulos? É evidente que não! Jesus está ensinando como as coisas verdadeiramente são, o que difere da nossa visão débil e humanista.

Jesus ensinou claramente que a mão de Deus está em atividade nos mínimos detalhes dos processos naturais. Veja mais:

Não se vendem dois pardais por um asse? E nenhum deles cairá em terra sem o consentimento de vosso Pai. E, quanto a vós outros, até os cabelos todos da cabeça estão contados. Não temais, pois! Bem mais valeis vós do que muitos pardais.”

Mateus 10.29-31 (ARA)

Jesus disse que nenhum pardal “cairá em terra sem o consentimento de vosso Pai” e que até os “cabelos todos da cabeça estão contados”. Sei que algumas pessoas devem pensar que Deus tem “muito mais coisa para fazer do que se importar com isso”. No entanto, este pensamento está completamente equivocado. A Bíblia revela um Deus detalhista, que cuida e que se importa.

Deus decide quando cada pássaro do planeta morre e cai no chão. Isso demonstra que Deus se importa com a nossa vida mais do que imaginamos, pois Ele é nosso Pai que nunca irá nos abandonar, sempre cuidará de nós! Sempre!

Deus governa ativamente tudo em sua criação – Teísmo

A Providência Divina não é apenas um conceito teológico, mas a realidade da atuação de Deus em toda a sua criação. A Bíblia está repleta de exemplos do envolvimento pessoal de Deus, e o autor John Piper cita isso em seu livro:

  • “Faz brotar nos montes a erva” (Salmo 147.8);
  • “Deparou o Senhor com um grande peixe, para que tragasse a Jonas” (Jonas 1.17);
  • “[…] fez o Senhor Deus nascer uma planta” (Jonas 4.6);
  • “Deus […] enviou um verme, o qual feriu a planta” (Jonas 4.7);
  • Ele “faz subir as nuvens dos confins da terra, faz os relâmpagos para a chuva, faz sair o vento dos seus reservatórios” (Salmo 135.7);
  • Ele “repreendeu o vento e a fúria da água” (Lucas 8.24).

Assim, meus caros leitores, estudar a Providência Divina nos faz corrigir nossa visão de mundo distorcida pelo pecado e a consequente visão humanista, permitindo-nos enxergar um mundo no qual Deus é o centro, não o homem! A Bíblia, do início ao fim, ressoa as riquezas da graça de Deus e conta a história da natureza e da extensão da providência de Deus.

Nada pode impedir os planos do Senhor:

Lembrai-vos das coisas passadas da antiguidade: que eu sou Deus, e não há outro, eu sou Deus, e não há outro semelhante a mim; que desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade;

Isaías 46.9–10 (ARA)

O mundo não é uma “máquina” que Deus programou e abandonou

O mundo não é uma máquina que Deus fez e programou para mover-se sozinha! A verdade é que TODAS AS COISAS QUE EXISTEM SÃO SUSTENTADAS PELO FILHO DE DEUS, PELA PALAVRA DO SEU PODER (Colossenses 1.17; Hebreus 1.3).

Do início ao fim, a Bíblia ressoa as riquezas da graça de Deus em relação ao seu povo indigno. Página após página, a Palavra de Deus nos conta a maravilhosa história da natureza e da extensão da providência de Deus.

Jó tinha uma visão de Deus inicialmente distorcida. Ele reconhece, após passar por todo o sofrimento, de que tudo o que Deus quiser fazer ele fará, e isto sempre bom (ainda que as situações pareçam desafiadoras).

Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado. (…) 5 Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te veem.

Jó 42.2 (ARA)

A confissão de Jó pode ser parafraseada da seguinte forma: “antes eu só te conhecia de ouvir falar (como um Deus distante e que não se importa), mas agora eu te conheço de verdade, como o meu Deus e como meu Pai que nunca me abandonou e nunca me abandonará“!

A Realidade da Escritura é mais profunda do que podemos imaginar

Se você é um cristão genuíno, você sabe que Deus se ira quando você peca. Mas preciso te dizer uma coisa: a ira de Deus contra seu pecado, traduzida na tristeza que o Espírito Santo sente quando isso ocorre, é mais real e mais profunda do que você imagina. Sei que quando você comete um pecado você confessa a Deus e “logo fica tudo bem”, mas você não tem ideia de como o seu pecado é terrível. Em outras palavras, você não tem noção real de como o seu pecado ofende a santidade de Deus, e como isso é grave; você talvez tenha apenas uma ideia limitada sobre isso.

De igual modo, se você é um cristão verdadeiro, você sabe que Deus te ama. Mas, sinto lhe informar, porque seu limitado pensamento não consegue penetrar na profundidade deste amor eterno e infinito. O que quero dizer é que Deus te ama muito mais do que você possa imaginar. Você pode ter apenas uma ideia do amor de Deus, mas nunca conseguirá compreender a plena profundidade deste grande amor eterno.

Conclusão

Como vimos, as “maravilhas contraintuitivas” que encontramos na Bíblia sobre os caminhos de Deus não são falhas ou contradições, mas reflexos de uma realidade divina que transcende nosso limitado entendimento humano. A Providência Divina nos revela um Deus infinitamente maior, mais sábio, mais justo, mais glorioso e mais amoroso do que podemos imaginar.

O estudo da Providência Divina nos convoca a renovar nossa mente (a ter a mente do Espírito), a não confiar em argumentos falaciosos (ou que coloquem em dúvida o caráter de Deus) ou mesmo limitar o Deus que é infinito. Somos convocados a confiar em sua perfeita sabedoria, justiça e governo.

A compreensão adequada da Providência Divina liberta-nos da ansiedade proveniente da falta de fé, conduz-nos a um conhecimento mais profundo de Deus e também nos leva a temê-lo, a confiar nele apesar das circunstâncias e a amá-lo devidamente.

Acima de tudo, é um convite constante à adoração genuína a um Deus cujo plano não pode ser frustrado e que sustenta todas as coisas pela palavra do seu poder. Tudo o que Deus fizer é bom e é para a sua própria glória. E esta verdade deve ecoar em nossos corações como um verdadeiro tesouro precioso.

Referências

Referências
1 PIPER, John. Providência. Trad. Francisco Wellington Ferreira. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2022.

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Hudson Carvalho é Mestre em Divindade (M.Div.) pelo Seminário Martin Bucer (São José dos Campos, SP), com ênfase em Teologia Histórica e Sistemática. Atua como pastor na Igreja Reformada em Vila Velha, especialmente na parte de ensino. É editor do EvangelhoEterno.Org, que visa propagar o evangelho de Jesus Cristo por meio de uma abordagem bíblica e confessional (teologia reformada). É casado com Luane Magnago e tem uma filha, Alice.

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