O Concílio de Orange foi um florescimento da controvérsia entre Agostinho e Pelágio. Esta controvérsia tem a ver com o grau com o qual o ser humano é responsável para com sua própria salvação, e o papel da graça de Deus em trazer tal salvação. Os Pelagianos sustentam que os seres humanos nascem num estado de inocência, isto é, não há uma tal coisa como uma natureza pecaminosa ou pecado original. Como resultado desta visão, eles sustentavam que um estado de perfeição impecável era alcançável nesta vida. O Concílio de Orange tratou com a doutrina Semi-Pelagiana de que a raça humana, embora caída e possuidora de uma natureza pecaminosa, ainda é suficientemente “boa” para ser capaz de responder à graça de Deus através de um ato da vontade humana não redimida. À medida que ler os Cânones do Concílio de Orange, você será capaz de ver de onde João Calvino derivou suas visões da depravação total da raça humana.
Roger Olson, em a História da Teologia Cristã, publicada no Brasil pela Editora Vida, escreve o seguinte sobre Orange: “A controvérsia semipelagiana finalmente terminou em 529, quando houve uma reunião de bispos ocidentais, conhecida como Sínodo de Orange. Às vezes, é chamada de Concílio de Orange, mas não consta dos concílios ecumênicos da igreja, nem pelo Oriente, nem pelo Ocidente. Em Orange, os bispos católicos condenaram os principais aspectos do semipelagianismo, endossaram o conceito que Agostinho tinha da necessidade e total suficiência da graça e condenaram a crença na predestinação divina para o mal ou para a perdição. Como Agostinho nunca chegou a afirmar especificamente que Deus predestina alguém ao pecado ou ao inferno, seus próprios ensinos passaram pelo Sínodo de Orange sem serem em nada criticados, mas também sem serem plenamente confirmados. O sínodo não defendeu a predestinação de nenhuma forma. Entretanto, exigiu a crença que qualquer ato de bondade ou retidão dos seres humanos é resultado da graça de Deus que opera neles. A teologia católica ortodoxa, a partir de então, incluiria as idéias de que a graça de Deus é a única origem e causa de todos os atos de retidão humana e que os homens não são capazes de realizar obras merecedoras da salvação sem a graça auxiliadora. Todavia, como o Sínodo de Orange deixou em aberto a questão da livre cooperação humana com a graça, a Igreja Católica passou a incluir e enfatizar um sistema de obras meritórias que são necessárias como credenciais de graça e isso se reverteu a favor de um tipo de sinergismo no qual o livre-arbítrio precisa cooperar com a graça para que a salvação chegue à consumação perfeita”.
CÂNONE 1. Se alguém negar que foi o homem todo, isto é, tanto corpo como alma, que foi “mudado para maldição” através da ofensa do pecado de Adão, mas crer que a liberdade da alma permanece sem distúrbio e que somente o corpo é sujeito à corrupção, foi enganado pelo erro de Pelágio e contradiz a escritura que diz, “ A alma que pecar, essa morrerá ” (Ezequiel 18:20); e, “ Não sabeis vós que a quem vos apresentardes por servos para lhe obedecer, sois servos daquele a quem obedeceis? ” (Romanos 6:16) e, “ Porque de quem alguém é vencido, do tal faz-se também servo ” (2 Pedro 2:19).
CÂNONE 2. Se alguém assevera que o pecado de Adão afetou somente a ele e não os seus descendentes também, ou pelo menos se ele declara que é somente a morte do corpo que é a punição pelo o pecado, e não também aquele pecado, o qual é a morte da alma, passado através de um homem para toda a raça humana, faz injustiça a Deus e contradiz o Apóstolo, que diz, “ Portanto, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram ” (Romanos 5:12).
CÂNONE 3. Se alguém disser que a graça de Deus pode ser conferida como resultado de oração humana, mas que não é a própria graça que nos faz orar a Deus, contradiz o profeta Isaías, ou o Apóstolo que diz a mesma coisa, “ Fui achado pelos que não me buscavam, Fui manifestado aos que por mim não perguntavam ” (Romanos 10:20, citando Isaías 65:1).
CÂNONE 4. Se alguém mantém que Deus espera nossa vontade ser limpa do pecado, mas não confessa que até mesmo a nossa vontade ser limpa nos vem através da infusão e operação do Espírito Santo, resiste ao próprio Espírito Santo que diz através de Salomão, “ A vontade é preparada pelo Senhor ” (Provérbios 8:35, LXX), e a palavra salutar do Apóstolo, “ Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade ” (Filipenses 2:13).
CÂNONE 5. Se alguém disser que não somente o aumento da fé mas também o seu início e o próprio desejo por fé, pelo qual cremos nAquele que justifica o ímpio e vem pela regeneração do santo batismo – se alguém disse que isto nos pertence por natureza e não pelo dom da graça, isto é, pela inspiração do Espírito Santo corrigindo nossa vontade e a vontade da incredulidade para a fé e da impiedade para piedade, é prova de que ele está em oposição ao ensino dos Apóstolos, porque Paulo, bendito seja, disse, “ Estou certo de que aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo ” (Filipenses 1:6). E novamente, “ Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus ” (Efésios 2:8). Porque aqueles que declaram que a fé pela qual cremos em Deus é natural, fazem de todos aqueles que estão separados da Igreja de Cristo, por definição, crentes em alguma medida.
CÂNONE 6. Se alguém disser que Deus tem misericórdia de nós quando, aparte de sua graça, cremos, queremos, desejamos, aspiramos, lutamos, oramos, esperamos, estudamos, procuramos, pedimos ou batemos, não confessa que é pela infusão e inspiração do Espírito Santo dentro de nós que temos a fé, a vontade ou a força para fazer todas as coisas que devemos; ou se alguém faz a assistência da graça depender da humildade ou obediência do homem e não concorda que é um próprio dom da graça que sejamos obedientes e humildes, contradiz o Apóstolo que diz, “ E que tens tu que não tenhas recebido? ” (1 Coríntios 4:7), e, “ Pela graça de Deus sou o que sou ” (1 Coríntios 15:10).
CÂNONE 7. Se alguém afirmar que podemos formar alguma opinião correta ou fazer qualquer escolha correta que se relacione com a salvação da vida eterna, como é expediente por nós, ou que possamos ser salvos, isto é, assentir à pregação do evangelho através de nossos poderes naturais sem a iluminação e inspiração do Espírito Santo, que faz com que todos os homens alegremente assintam e creiam na verdade, está desencaminhado por um espírito herético, e não entende a voz de Deus que diz no Evangelho, “ Porque sem mim nada podeis fazer ” (João 15:5), e a palavra do Apóstolo, “ Não que sejamos competentes, por nós, de pensar alguma coisa, como de nós mesmos; mas a nossa competência vem de Deus ” (2 Coríntios 3:5).
CÂNONE 8. Se alguém mantém que alguns são capazes vir chegar à graça do batismo pela misericórdia mas outros através do livre-arbítrio, o qual tem sido manifestadamente corrompido em todos aqueles que nasceram depois da transgressão do primeiro homem, é prova de que não tem lugar na verdadeira fé. Porque ele nega que o livre-arbítrio de todos os homens se tornou enfraquecido através do pecado o primeiro homem, ou pelo menos sustenta que o mesmo foi afetado de uma tal forma que eles ainda têm a capacidade de buscar o mistério da salvação eterna por si mesmos sem a revelação de Deus. O próprio Senhor mostra quão contrário isto é, declarando que ninguém é capaz de vir a ele “ se o Pai que me enviou não o trouxer ” (João 6:44), como também disse a Pedro, “ Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas, porque to não revelou a carne e o sangue, mas meu Pai, que está nos céus ” (Mateus 16:17), e como o Apóstolo diz, “N inguém pode dizer que Jesus é o SENHOR, senão pelo Espírito Santo ” (1 Coríntios 12:3).
CÂNONE 9. Concernente ao socorro de Deus. É uma marca de favor divino quando somos de um propósito certo e guardamos os nossos pés da hipocrisia e da injustiça; porque quando fazemos o bem, Deus está operando em nós e com nós, para que possamos assim fazer.
CÂNONE 10. Concernente ao socorro de Deus. O socorro de Deus é para ser sempre procurado pelos regenerados e convertidos também, para que eles possam ser capazes de chegar a um fim bem-sucedido ou perseverar nas boas obras.
CÂNONE 11. Concernente ao dever de orar. Ninguém pode fazer alguma oração verdadeira ao Senhor, se não tiver ele recebido dEle o objeto de sua oração, como está escrita, “ Porque tudo vem de ti, e do que é teu to damos ” (1 Coríntios 29:14).
CÂNONE 12. De que tipo nós somos, a quem Deus ama. Deus nos ama pelo que seremos por seu bom, e não por nosso próprio merecimento.
CÂNONE 13. Concernente à restauração do livre-arbítrio. A liberdade da vontade que foi destruída no primeiro homem pode ser restaurada somente pela graça do batismo, porque o que foi perdido pode retornar somente por um que seja capaz de dá-lo. Portanto, a própria Verdade declara: “ Se pois o Filho vos fizer livres, verdadeiramente sereis livres ” (João 8:36).
CÂNONE 14. Nenhum miserável é liberto do seu triste estado, quão grande ele possa ser, salvo aquele que é antecipado pela misericórdia de Deus, como o Salmista diz, “Venham ao nosso encontro depressa as tuas misericórdias” (Salmos 79:8), e novamente, “ Meu Deus em Seu fiel amor virá ao meu encontro ” (Salmos 59:10).
CÂNONE 15. Adão foi mudado, mas para o pior, através de sua própria iniqüidade, daquilo que Deus tinha feito. Através da graça de Deus o crente é mudado, mas para o melhor, daquilo que sua iniqüidade fez com ele. Uma portanto, foi a mudança trazida sobre o primeiro pecado; a outra, de acordo com o Salmista, é a mudança da destra do Altíssimo (Salmos 77:10).
CÂNONE 16. Nenhum homem será honrado por aparentar talento, como se isto não fosse um dom, ou supor que o recebeu porque uma missiva Porque o Apóstolo assim diz, “ Se a justiça provém da lei, segue-se que Cristo morreu debalde ” (Gálatas 2:21); e “ Subindo ao alto, levou cativo o cativeiro, E deu dons aos homen .” (Efésios 4:8, citando Salmos 68:18). É a partir desta fonte que qualquer homem tem o que tem; mas quem quer que negue que ele não tem isto desta forte ou verdadeiramente não a tem, ou senão “ até o que tem ser-lhe-á tirado ” (Mateus 25:29).
CÂNONE 17. Concernente à coragem Cristã. A coragem dos Gentios é produzida por simples avidez, mas a coragem dos Cristãos pelo amor de Deus que “ foi derramado em nossos corações ”, não pela liberdade da vontade de nosso próprio lado mas “ através do Espírito Santo que nos foi dado ” (Romanos 5:5).
CÂNONE 18. Que a graça não é precedente por mérito. Recompensa é devido às boas obras se elas forem realizadas; mas a graça, da qual não temos nenhuma reivindicação, as precede, para capá-las a serem feitas.
CÂNONE 19. Que um homem pode ser salvo somente quando Deus mostra misericórdia. A natureza humana, embora permaneça no são estado na qual foi criada, não pode de modo algum se salvar, sem a assistência do Criador; portanto, visto que um homem não pode autoguardar sua salvação sem a graça de Deus, que é um dom, como será ele capaz de restaurar o que foi perdido sem a graça de Deus?
CÂNONE 20. Que um homem não pode fazer nenhum bem sem Deus. Deus faz muito o que é bom num homem que o homem não faz; mas um homem não faz nenhum bem pelo qual Deus não seja responsável, de forma que o deixe fazer.
CÂNONE 21. Concernente à natureza e à graça. Como o Apóstolo mui verdadeiramente diz àqueles que pretendiam ser justificados pela lei e tinham caído da graça, “ Se a justiça provém da lei, segue-se que Cristo morreu debalde ” (Gálatas 2:21), assim é mui verdadeiramente declarado para aqueles que imaginam que a graça, cuja fé em Cristo advoga e faz segura, é natural: “ Se a justiça provém da lei, segue-se que Cristo morreu debalde ”. Ora, deveras havia a lei, mas esta não justificava, e deveras havia a natureza, mas esta não justificava. Não foi em vão que, portanto, Cristo morreu, mas para que a lei pudesse ser cumprida por aquele que disse, “ Não vim ab-rogar [a lei e os profetas], mas cumprir ” (Mateus 5:17), e que a natureza que tinha sido destruída por Adão pudesse ser restaurada por Ele que disse que tinha vindo “ para buscar e salvar o perdido ” (Lucas 19:10).
CÂNONE 22. Concernente àquelas coisas que pertencem ao homem. Nenhum homem tem qualquer coisa de si mesmo, senão a inverdade e o pecado. Porém, se um homem tem qualquer verdade ou justiça, esta é daquela fonte da qual devemos ter sede neste deserto, para que possamos ser refrescados dela como por gotas de água e não enfraqueçamos no caminho.
CÂNONE 23. Concernente à vontade de Deus e do homem. Os homens fazem a sua própria vontade e não a de Deus quando eles fazem o que Lhe desagrada; mas quando eles seguem a sua própria vontade e cumprem com a vontade de Deus, embora desejosos de assim fazer, ainda assim é a Sua vontade pela qual eles serão tanto preparados e como instruídos.
CÂNONE 24. Concernente aos ramos da videira. Os ramos da videira não dão vida à videira, mas recebem vida dela; portanto, a videira é relacionada com seus ramos de tal forma que ela supre-os com o que eles necessitam para viver, e não toma isto deles. Portanto, é vantagem dos discípulos, não de Cristo, tanto ter Cristo habitando neles como habitarem em Cristo. Porque se a videira é cortada, outra pode crescer a partir da raiz viva; mas alguém que é cortado da videira, não pode viver sem a raiz (João 15:5 e versos seguintes).
CÂNONE 25. Concernente ao amor com o qual amamos a Deus. É inteiramente um dom de Deus o amar a Deus. Aquele que ama, embora não fosse amado, permitiu a Si mesmo o ser amado. Somos amados, mesmo quando O desagradamos, para que possamos ter meios de agradá-Lo. Porque o Espírito, a quem amamos com o Pai e o Filho, derramou em nossos corações o amor do Pai e do Filho (Romanos 5:5).
CONCLUSÃO. E assim, de acordo com as passagens da Santa Escritura citadas acima ou com as interpretações dos antigos Pais devemos, sob a bênção de Deus, pregar e crer como se segue. O pecado do primeiro homem arruinou e enfraqueceu tanto o livre-arbítrio que ninguém desde então pode amar como deve ou crer em Deus ou fazer o bem por causa de Deus, a menos que a graça da divina misericórdia o preceda. Cremos, portanto, que a gloriosa fé que foi dada a Abel o justo, e Noé, Abraão, Isaque e Jacó, e a todos os santos dos tempos antigos, e cuja fé o Apóstolo Paulo recomenda ao exaltá-los (Hebreus 11), não foi dada através de bondade natural como o foi antes de Adão, mas foi concedida pela graça de Deus. E nós sabemos e também cremos que mesmo após a vinda de nosso Senhor, esta graça não é para ser encontrada no livre-arbítrio de todos que desejam ser batizados, mas é concedida pela bondade de benignidade de Cristo, como já foi frequetemente declarado e como o Apóstolo Paulo declara, “ Porque a vós vos foi concedido, em relação a Cristo, não somente crer nele, como também padecer por ele ” (Filipenses 1:29). E novamente, “ Aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo ” (Filipenses 1:6). E novamente, “ Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus ” (Efésios 2:8). E como o Apóstolo diz de si mesmo, “ Eu tenho alcançado misericórdia do Senhor para ser fiel ” (1 Coríntios 7:25, conforme 1 Timóteo 1:13). Ele não disse, “ porque eu era fiel ”, mas “ para ser fiel ”. E novamente, “ E que tens tu que não tenhas recebido? ” (1 Coríntios 4:7). E novamente, “ Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação ” (Tiago 1:17). E novamente, “ O homem não pode receber coisa alguma, se não lhe for dada do céu ” (João 3:27). Há inúmeras passagens da santa Escritura que podem ser citadas para provar o caso para a graça, mas elas foram omitidas em favor da brevidade, porque exemplos adicionais não serão realmente úteis onde poucas seriam avaliadas suficientemente.
De acordo com a fé católica, também cremos que após a graça ser recebida através do batismo, toda pessoa batizada tem a capacidade e a responsabilidade, se desejar fielmente, de realizar com a ajuda e cooperação de Cristo o que é de importância essencial com respeito à salvação de sua alma. Nós não somente não cremos que haja qualquer mau pré-ordenado por Deus, mas até mesmo declaramos com absoluta aversão que se há aqueles que desejam crer numa coisa tão má, que sejam anátemas. Também cremos e confessamos para o nosso benefício que em todo boa obra não somos nós que tomamos a iniciativa e então, somos assistidos através da misericórdia de Deus, mas que o próprio Deus primeiro inspira em nós tanto a fé nEle como o amor para com Ele sem quaisquer boas obras prévias de nós mesmos que mereça recompensa, de forma que possamos tanto fielmente buscar o sacramento do batismo, como também depois do batismo sermos capazes, por Sua ajuda, de fazer o que é agradável a Ele. Devemos, portanto, mais do que evidentemente, crer que a fé louvável do ladrão que o Senhor chamou para Sua casa no paraíso, e a fé de Cornélio o centurião, a quem o anjo do Senhor foi enviado, e a de Zacarias, que foi digno de receber o próprio Senhor, não foi uma dádiva natural, mas um dom da benignidade de Deus.
– tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto
– disponível em Monergismo: http://www.monergismo.com/textos/credos/orange.htm