Cada dia que passa observamos mais cursos e livros que têm sido disponibilizados no mercado sobre liderança, performance pessoal e sucesso em todas as áreas da vida. O público alvo parece ser sempre um grande mercado consumidor: os cristãos. Isto porque é muito comum vermos nestes livros a utilização da fé cristã como meio para se obter o sucesso e prosperidade na vida.
A busca pelo sucesso na família, na profissão, no esporte, na espiritualidade, na sociedade, é o que todos desejam construir, e isto tem sido a premissa basilar de nossa sociedade. Mas não apenas isso, todos desejam mostrar que são pessoas de sucesso na internet. Tudo isso se torna troféu que as pessoas não querem deixar na prateleira empoeirada de seus escritórios, mas na “janela” de suas casas, a fim de que todos vejam e contemplem o sucesso obtido.
E onde está a religião nisso? Bem, no movimento cotidiano parece que fica cada dia mais claro que a religião é vista hoje como uma espécie de força motriz para o sucesso das pessoas.
Certa vez um conhecido, que é vendedor, me procurou e disse que a maior forma de aumentar as vendas é frequentando uma igreja evangélica cheia de pessoas bem sucedidas. Isto porque na igreja as pessoas se conectam e confiam umas nas outras e este é o ambiente perfeito para se ganhar dinheiro.
Ganhar dinheiro dos evangélicos parece ser a “galinha dos ovos de ouro”. De um lado, temos uma enorme massa de pessoas carentes pelo sucesso em todas as áreas da vida e, de outro, pessoas que vendem soluções fáceis de sucesso, usando de forma manipulada a Palavra de Deus com viés humanista.
Um problema teológico
Os números recém divulgados pelo IBGE — Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — demonstram que o número de evangélicos no Brasil cresceu 61% [1]https://www.terra.com.br/noticias/brasil/numero-de-evangelicos-cresce-61-no-brasil-diz-ibge,c0addc840f0da310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html. Seria uma enorme bênção vermos o crescimento de crentes no Brasil, se não fosse pelo fato de a igreja brasileira estar cheia de pessoas que não são convertidas genuinamente a Cristo. Falsos mestres “venderam” a estas pessoas um “cristo” que não é o Filho de Deus revelado nas Escrituras, mas um servo que busca trazer conforto, riqueza e felicidade às pessoas.
Há ainda outras pessoas que enxergam Deus como a figura de um Papai Noel, um bom velhinho de cabelos brancos e longa barba branca macia que fica sentado no trono do Universo distribuindo presentes e que visa fazer as pessoas felizes e bem sucedidas.
Veja, o problema aqui não é social, mas teológico!
A visão de Deus está equivocada
É muito comum hoje me dia entrarmos em igrejas em que os pregadores sequer abrem a Bíblia para pregar. Eles só falam de desafios da vida, como superá-los e obter sucesso nas situações. Sempre procuram citar autores conhecidos, ou pensadores históricos, como forma de reforçar a autoridade de seus argumentos.
O triunfalismo domina as igrejas evangélicas brasileiras. Pastores que sequer possuem preparo ministerial básico, tal como um bom curso teológico, mestrado e doutorado nas diversas áreas da teologia. Parece que para ser pastor hoje basta ter uma boa comunicação, ter uma aparência “ok”, possuir carisma, se parecer com um apresentador de programa de TV e ser um bom administrador de empresas e pessoas.
Estes falsos pastores é quem são responsáveis diretos por transmitirem uma visão distorcida de Deus à grande massa de pessoas. O desprezo pelo estudo das Sagradas Escrituras por razões de “grandiosa” espiritualidade, ou que o estudo “extinguirá a chama do Espírito”, são pensamentos que Satanás colocou na cabeça dessas pessoas, a fim de que creiam num “deus” que não é o Deus revelado na Palavra; para que creiam num “cristo” que não é o Cristo ressurreto; para que creiam num “mover do espírito” que não é de autoria do Espírito Santo de Deus.
Falo com tristeza no coração!
As igrejas muitas vezes estão cheias, mas ao menos tempo estão vazias. Cheias de pessoas que anseiam por um deus que lhes trará prosperidade, vida confortável, sucesso, vitórias. Vazias de pessoas genuinamente transformadas pelo poder do Espírito Santo, que nasceram de novo da água e do Espírito (João 3.5), e que entendem que não vivem mais para si, mas para Deus (Romanos 14.8).
O domínio de uma visão evangélica humanista
Não é incomum vermos cursos sobre liderança em que o primeiro tópico para a formação do líder é: “conheça você mesmo; quem não conhece a si mesmo, não consegue desenvolver bem a liderança sobre outras pessoas”. Depois, afirmam, “creia num Deus que pode fazer todas as coisas por você, para que você cumpra seu propósito e obtenha o sucesso”.
Bem, de fato, é muito importante nós nos conhecermos, isto é, enxergarmos nossos pontos fortes e fracos. No entanto, a ordem está equivocada! Antes de eu me conhecer, eu preciso saber primeiro quem é Deus e como eu sou conhecido por Ele. Digo, eu não consigo responder corretamente “quem eu sou” se primeiro eu não conhecer “quem é Deus e como Ele me vê”.
Como deixou registrado o reformador João Calvino:
é notório que o homem jamais chega ao puro conhecimento de si mesmo até que haja antes contemplado a face de Deus, e da visão dele desça a examinar-se a si próprio. Ora, sendo-nos o orgulho a todos ingênito, sempre a nós mesmos nos parecemos justos, e íntegros, e sábios, e santos, a menos que, em virtude de provas evidentes, sejamos convencidos de nossa injustiça, indignidade, insipiência e depravação. Não somos, porém, assim convencidos, se atentamos apenas para nós mesmos e não também para o Senhor, que é o único parâmetro pelo qual se deve aferir este juízo. [2]João Calvino, As Institutas, trad. Waldyr Carvalho Luz, Edição Clássica, vol. 1 (São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2006), 42.
João Calvino – As Institutas
A visão evangélica humanista coloca o homem no centro de todas as coisas e Deus como um Ser Supremo que vive para abençoar as pessoas, fazê-las felizes e bem sucedidas.
Na medida em que a igreja despreza o estudo sério da Palavra de Deus e da sua teologia, ela cai exatamente num movimento humanista, em que pecados não são confrontados e as pessoas são estimuladas a cantarem um “cântico de vitória”, a bramar um grito de guerra e a proferirem “palavras proféticas” de que são vencedoras e prósperas e que o “inimigo não vai conseguir derrubá-las”.
O que precisamos entender
A pergunta que precisamos nos fazer é: o Filho de Deus se encarnou, desceu todos os degraus da humilhação, morreu na cruz, ressuscitou ao terceiro dia, para isso? Para fazer as pessoas “felizes”, “prósperas”, “bem sucedidas”?
Ora, que felicidade existe senão a de estar na presença do Deus vivo e verdadeiro? Que alegria existe senão a alegria indizível da certeza da nossa justificação? Que conforto há senão a certeza de que somos filhos de Deus e amados desde a Eternidade?
Precisamos ser francos: Jesus não nos salvou para nos fazer felizes aqui. Jesus não entregou sua própria vida e sofreu em nosso lugar para nos trazer conforto, nos fazer ricos e bem sucedidos em nossas vidas.
É certo que somos felizes, e muito felizes! No entanto, a verdadeira felicidade não é circunstancial, mas decorre de uma fé inabalável, que é dom de Deus, não do homem (Efésios 2.8). A verdadeira felicidade é a certeza de que viveremos para sempre na presença de Deus, livres da presença do pecado, no Novo Céu e na Nova Terra.
É certo, também, que Deus ama a prosperidade de seus filhos, no entanto, nem todos os filhos de Deus terão prosperidade nesta terra. Nosso verdadeiro Tesouro é e sempre será Jesus Cristo, o nosso Senhor, a porção da nossa herança (Salmo 16.5).
Devemos sempre nos lembrar: onde estiver o nosso tesouro, aí estará também o nosso coração – Mateus 6.21.